Naquele
tempo a profecia de Miquéias1
reacendia-se em todo o território da Palestina. É como se aquela lembrança
determinasse a proximidade de um acontecimento extraordinário: “Mas tu, Belém de Éfrata, pequenina entre
as aldeias de Judá, de ti é que sairá para mim aquele que há de ser o
governante de Israel” (Mq 5,1).
Deus
se serve até dos tiranos para realizar os seus projetos. Sem o saber, Augusto,
o imperador romano, estava contribuindo sobremaneira para que o plano de Deus
viesse a se concretizar.
“Naqueles dias saiu um decreto do imperador Augusto
mandando fazer o recenseamento de toda a terra” (Lc 2,11). A razão era simples: saber o número de habitantes
para poder controlar melhor a arrecadação de impostos. A evasão de rendas e a
sonegação constituíam “no calcanhar de
Aquiles” do orçamento imperial. Cada um estaria obrigado a registrar-se na
sua cidade natal. “Também José que era da
família e da descendência de Davi, subiu da cidade de Nazaré, na Galiléia, à
cidade de Davi, chamada Belém, na Judéia, para registrar-se com Maria, sua
esposa, que estava grávida” (Lc 2,4-5).
Para
um casal que ama, a distância por menor que seja, ou o tempo por mais curto que
se apresente, toma ares de eternidade. E quando a esposa está grávida?!...
Nunca passou pela cabeça de José deixar Maria em Nazaré e seguir sozinho até
Belém. Não a deixaria jamais! E sabendo que o seu amor levava consigo no ventre
o Amor Maior, sua intenção robustecia-se e a certeza se firmava solidamente.
_Maria! Maria! Levanta amada minha! Os primeiros
raios da manhã se derramam sobre os campos; as romãzeiras são banhadas pelo
orvalho da madrugada; as aves do céu ressoam cantos de alegria saudando a manhã
que nasce; e as flores dos campos, em roupas de noite, exalam o perfume colhido
das estrelas. Maria!... José
continua com o Cântico dos Cânticos.
“Levanta-te,
minha amada,
minha bela
e vem!
O inverno
passou,
as chuvas
cessaram e já se foram.
aparecem as
flores no campo,
chegou o
tempo da poda,
a rolinha
já faz ouvir seu canto
em nossa
terra.
A figueira
produz seus primeiros figos,
soltam
perfumes as vinhas em flor.
Levanta-te,
minha amada,
minha bela
e vem!
Minha
rolinha que moras nas fendas das rochas,
no
esconderijo escarpado,
mostra-me o
teu rosto,
e a tua voz
ressoe aos meus ouvidos,
pois a tua
voz é suave
e o teu
rosto é lindo!” (Ct 2,10-14).
Pela
porta entreaberta uma brisa suave toca o seu rosto. Maria acorda. A manhã já
vai alta quando iniciam a viagem.
Quatro,
cinco ou mais dias os separam de Belém. A gravidez dificulta muito a marcha.
Ora a pé, ora sentada no burrico... As dores provocadas pelo desconforto não
tardam a chegar. A oração e as palavras de carinho e incentivo de José, a
reconfortam, trazendo novo alento. Estão próximos. Já se podem vislumbrar do
alto as primeiras casas da cidade. As energias se renovam. Mais uns dois
quilômetros...
As
hospedarias de Belém estavam lotadas. Emigrante em Nazaré há muito e muito
tempo, José perdera o contato com familiares (se é que ainda os tinha por lá).
E agora? Maria queixava-se das contrações que se amiudavam. O que fazer? Homem
de fé e esperança, José não se intimida. Ergue os olhos ao céu e recita o Salmo
121, na primeira pessoa do plural: “Levanto
os olhos para os montes: de onde nos virá auxílio? Nosso auxílio vem do Senhor
que fez o céu e a terra. Não deixará nossos pés vacilarem. Aquele que nos
guarda não dorme. Não dorme nem cochila o vigia de Israel. O Senhor é o nosso
guarda; o Senhor é como a sombra que nos cobre e está à nossa direita. De dia o
sol não nos fará mal, nem a lua de noite. O Senhor nos preservará de todo mal,
preservará nossa vida. O Senhor vai nos proteger desde agora e para sempre”.
A voz de Maria irrompe: _Amém! Amém!
O
Senhor vem em auxílio de José. Ele lembra que nos arredores de Belém existem
grutas onde os animais são recolhidos durante o inverno. Pelo menos, longe do
burburinho da cidade, embora sem nenhum conforto, Maria estaria em paz.
Mais alguns passos e a gruta surge à sua frente. “Quando estavam ali chegou o tempo do
parto. Ela deu à luz o seu filho primogênito, envolveu-o em faixas e deitou-o
numa manjedoura” (Lc 2,6).
Jesus
não se prevaleceu de sua condição divina. Sendo Deus humilhou-se, revestiu-se
de nossa carne e de nossas limitações para armar sua tenda no meio de nós. O
Rei tem como palácio uma estrebaria, tem como berço um cocho; tem como enxoval
pedaços de pano. Humilhou-se para nos exaltar e empobreceu-se para nos
enriquecer. Humanizando-se nos divinizou para lembrar que o nosso corpo é santo
e é Templo vivo do Espírito Santo.
Seu
nascimento não foi revelado a reis, príncipes e rainhas. Nasceu no silêncio de
uma noite de um céu extremamente azul e salpicado de estrelas. Deixou-se
revelar aos simples, aos pobres, aos marginalizados. “Havia naquela região pastores que passavam a noite nos campos, tomando
conta do rebanho” (Lc 2,8). Foi a eles que o Senhor determinou fosse dada a
Boa Notícia. A notícia acalentada há milênios em todos os corações da terra de
Israel. “Um anjo do Senhor lhes apareceu
e a glória do Senhor os envolveu de luz: _Eu vos anuncio uma grande alegria que
será também a alegria de todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasdceu para vós
o Salvador que é o Cristo Senhor!” (Lc 2,10-11).
As
insígnias dadas pelo anjo como sinal do Senhorio de Jesus e como marca de que
ele é o Salvador, de nada adiantariam se não fossem anunciadas pelo mensageiro
do céu. Eles esperavam um rei, filho de rei, neto de rei. E como poderia um rei
ser envolto em faixas e deitado numa manjedoura? Tinham que conferir.
Levantaram-se e foram a Belém. Enquanto seguiam, miríades do exército celeste
entoavam hinos de louvor a Deus: “Glória
a Deus no mais alto dos céus e na terra paz aos que são do seu agrado!” (Lc
2,14).
Chegando
apressadamente a Belém, encontraram o menino como o anjo havia dito, junto de
Maria e de José. Contaram-lhes o que havia sido dito a respeito dele e voltaram
para o campo, louvando e glorificando a Deus. “Maria, entretanto, guardava todas estas coisas, meditando-as no seu
coração” (Lc 2,19).
Paz e Luz
Antonio Luiz Macêdo
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