Não goste, ame! Pois somente o AMOR é capaz de construir o mundo. (Antonio Luiz Macêdo)..

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Nazaré, onde o Verbo se fez carne


Criado à imagem e semelhança da Trindade e modelado do barro da terra pelas mãos do próprio Pai, numa demonstração inequívoca de carinho, ternura e amor, o homem tornou-se um ser vivente pelo sopro do Hálito da Vida. Incompleto, sexual e afetivamente, buscava a sua plena realização na “posse” dos animais que eram colocados à sua frente para que os nominalizasse. Porém, nada seria capaz de preencher o vazio do seu ser. Cercado de plantas, rios, mares, flores, peixes, pássaros; instalado no Jardim do Éden; iluminado e aquecido pelo sol durante o dia e contemplado pela lua e pelas estrelas durante a noite, o homem sentia-se só. O peso da solidão o esmagava e dilacerava o seu coração moldado para o encontro, a comunicação e o amor.
   
Deus vem em seu auxílio. Sentindo a amargura e a tristeza que o envolviam, pronuncia uma frase que revolucionaria a história do homem e do mundo: “Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer uma auxiliar que lhe seja adequada” (Gn 2,18). Quando acordou do sono a que havia sido induzido, o homem encontra-se  diante daquela que lhe seria a ajuda adequada e comunica-lhe verbalmente a primeira declaração de amor de que se tem notícia: “Esta sim é osso dos meus ossos e carne da minha carne!” (Gn 2,23). Que declaração estranha! Que palavras esquisitas! Mas quando traduzidas e transpostas para a cultura oriental para a nossa cultura, ela se permeia de significado. “Esta sim é o meu sustentáculo! Ela é a minha força, é uma pessoa, é um ser humano igual a mim em dignidade! Está à minha altura psíquica, sexual, emocional e afetivamente. Ela foi tirada de mim. Ela é a tu de mim, é a minha complementaridade. Nela eu me encontro, com ela me comunico e por ela eu amo”. E o amor humano germinou!
   
Mas “no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho”. Embora revestidos pela graça, a liberdade falou mais alto e a pedra do orgulho e da presunção atingiram em cheio os seus corações. Afastando-se de Deus pela desobediência, conheceram as dores, os sofrimentos, os cansaços, as angústias, as depressões, as mágoas, os ressentimentos, as ansiedades... Nascidos para a imortalidade, transportaram a partir daquele instante, a semente da morte para cada um de nós: “Pois como o pecado entrou no mundo por um só homem e, através do pecado, a morte; a morte passou para todos os homens porque todos pecaram” (Rm 5,12).
   
O mais maravilhoso, porém, é que Deus não os abandonou à própria sorte. Vem ao encontro dos dois e os faz testemunhas vivas da sua misericórdia, proferindo a Palavra de Salvação, a Palavra do restabelecimento da aliança rompida no Jardim.: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela. Ela te esmagará a cabeça e tu a ferirás no calcanhar” (Gn 3,15). A promessa havia sido decretada; restava apenas a espera. E vemos “entretanto que o dom da graça foi sem proporção com o pecado. Pois se pelo pecado de um só toda a multidão humana foi ferida de morte, muito mais copiosamente se derramou sobre a mesma multidão, a graça de Deus, concedida na graça de um só homem, Jesus Cristo” (Rm 5,15).
   
Decênios, séculos, milênios decorreram. Corações e mais corações foram suscitados para preparar esse momento. Mas esse momento já havia sido preparado desde toda a eternidade no coração de Deus. Onipotente, onipresente e onisciente, ele bem sabia que os nossos primeiros pais não haveriam de suportar a presença da serpente. Por isso gestara em seu coração desde toda a eternidade, o seu projeto de reconciliação. “E porque o mundo era indigno de receber o Filho de Deus diretamente das mãos do Pai – diz Santo Agostinho – ele o deu a Maria a fim de que o mundo o recebesse por meio dela”. Estava revelado o mistério. Uma mulher seria sua portadora. Escolhida e plenificada por Deus com toda a sua graça, Maria era a primeira criatura a ser embalada nos sonhos do Pai. Gerada na carne através do amor de um casal que se amava profundamente – Joaquim e Ana – “a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada e imune de toda mancha do pecado original” 1. 
   
A espera se prolongava, enquanto Maria crescia em humildade “diante de Deus e diante dos homens”, exercitando-se no silêncio e na oração. À medida em que Adonai2  a preparava, a inquietação reinava nas mentes apreensivas das mulheres de Israel. A certeza, muitas vezes revestia-se de desesperança e a esperança, não raro, toldava-se entre nuvens escuras e sombrias. Vozes clamavam aos céus com Isaías: “Que os céus deixem escorrer lá de cima e que as nuvens façam chover a justiça! Abra-se a terra deixando germinar a salvação e ao mesmo tempo brote a justiça” (Is 45,8).
  
 “Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho...” (Gl 4,4)
A maneira escolhida por Deus revestia-se de uma solenidade toda peculiar. A Escolhida, a Agraciada, aquela que havia sido gestada desde todos os séculos no coração do Senhor e que seria a Senhora, precisava dar o seu sim. O anjo Gabriel3 – portador das boas notícias -  é enviado por Deus a Nazaré da Galiléia. É lá que Maria mora e vive com os seus pais. Prometida em casamento a José, espera ansiosamente o momentos dos esponsais.4 Entrando onde ela estava o anjo disse: “Alegra-te cheia de graça! O Senhor está contigo” (Lc 1,28). É como se ele estivesse dizendo: “Exulta, rejubila, salta de alegria, glorifica ao Senhor, porque o Senhor está contigo! El Shaddai – o Deus Todo-Poderoso – o Criador dos mundos e do universo está em teu coração. Tu te tornaste verdadeiramente o Templo de Deus, e a Trindade repousa em ti”.
Maria fica confusa. Os pensamentos, como turbilhão, tomam conta da sua cabeça de jovem de 15 anos: “O que significa isso? Eu não estou entendendo nada!Eu só queria casar com o meu José e viver feliz, fazendo-o feliz! Quero cuidar dos nossos filhos que virão como bênçãos do Senhor...”
“Não tenhas medo Maria, pois encontraste graça diante de Deus. Conceberás e darás à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus” (Lc 1,30).
 _Maria! Maria! O Senhor te cumulou de graças, de bondade, de justiça, de fé, de esperança e de amor, e tu correspondeste, tu não decepcionaste.  Tu foste a Escolhida para conceber e gerar o Deus Salvador. Através de ti a aliança rompida será restaurada, pois que és a portadora do Redentor. Aquele que conceberás “será grande, será chamado Filho do Altíssimo e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai. Ele reinará para sempre sobre a descendência de Jacó e o seu reino não terá fim” (Lc 1,33).
_Gabriel, como conceberei o Grande na minha pequenez? Como gerarei o Altíssimo dentro da minha humildade? Como darei à luz o Rei, se sou escrava? O anjo respondeu: “O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te revestirá com a sua sombra. Por isso o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus” (Lc 1,35).
_Maria, o mesmo Espírito que “pairava sobre as águas” nos inícios da Criação; o Sopro que fez do homem um ser vivente; o Espírito que impulsionou Abraão rumo à Terra Prometida e suscitou Moisés como libertador; o Espírito do qual Eliseu pediu uma porção dobrada ao profeta Elias, é este mesmo Espírito que virá sobre ti. E ele “fará novas todas as coisas”.
Maria reflete, ora, entra em comunhão com Deus. Quando retorna da contemplação interior os seus lábios virginais pronunciam as palavras de consentimento mais esperadas em todos os tempos: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). E os céus, a terra, os principados, as potestades, os tronos, as dominações, os anjos, arcanjos, querubins e serafins, exultam de alegria que se transmite por todo o cosmos e em uníssono proclamam aos quatro cantos do universo: “Amém! Amém! Amém!...”
“E o anjo retirou-se” (Lc 1,38b).

Paz e Luz
Antonio Luiz Macêdo

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1 Dogma da Imaculada Conceição, proclamado pelo papa Pio IX em 1854.
2 Palavra hebraica que significa o Senhor.
3 Gabriel significa Deus é poderoso.
4 Procissão à luz de velas que conduzia a noiva até a casa do noivo.

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