Nairobi
(RV) – O Santo Padre iniciou o terceiro dia de
atividades em Nairobi, capital do Quênia, com uma visita a Kangemi, uma das
favelas da capital.
Kangemi é um bairro onde se encontra uma das
favelas de Nairobi, situada em um pequeno vale, que confina com a favela de
Kalangware. Kangemi conta com uma população multiétnica de mais de 100 mil
pessoas, cuja maioria pertence à tribo Lubya. A paróquia local, de cerca de 20
mil fiéis, dedicada a São José Operário, é confiada aos Padres Jesuítas, que
dirigem também um ambulatório, um Instituto Técnico Superior, um Centro de
Assistência às mães mais necessitadas e diversas iniciativas profissionais.
Ao chegar à favela Kangemi, o Santo Padre percorreu
a pé as ruas de terra até chegar à igreja de São José Operário, onde foi
acolhido pelas autoridades religiosas e locais.Depois do canto de boas vindas,
da projeção de um filme-documentário e da leitura de um trecho evangélico, o
Papa tomou a palavra para agradecer a calorosa acolhida, dizendo:
“Na verdade, me sinto em casa ao partilhar este
momento com irmãos e irmãs que – não tenho vergonha de o dizer – ocupam um
lugar especial na minha vida e nas minhas opções. Estou aqui, porque quero que
saibam que suas alegrias e esperanças, angústias e sofrimentos não me são
indiferentes. Sei das dificuldades que enfrentam, todos os dias! Como não
denunciar as suas injustiças”?
Desta forma, o Papa de deteve em um aspecto que os
discursos de exclusão não conseguem reconhecer ou parecem ignorar: a sabedoria
dos bairros populares.
Citando a sua Encíclica “Laudato Si”, o Pontífice
explicou que “se trata de uma sabedoria que “brota da resistência obstinada do
que é autêntico, dos valores evangélicos que a sociedade opulenta, entorpecida
pelo consumo desenfreado, parece ter esquecido”.
Vocês, acrescentou Francisco, são capazes de “tecer
laços de pertença e de convivência que transformam a sua existência em uma
experiência comunitária, onde são abatidos os muros e as barreiras do egoísmo”.
E ponderou:
“A cultura dos bairros populares, permeada por esta
sabedoria particular, tem características muito positivas, que são uma
contribuição para o tempo em que vivemos; ela se exprime mediante valores
concretos de solidariedade, dar a vida pelo outro, preferir o nascimento à
morte, dar sepultura cristã aos seus mortos, oferecer hospitalidade aos
doentes, partilhar o pão com quem tem fome, ter paciência e fortaleza nas
grandes adversidades. Esses valores são baseados nisto: todo ser humano é mais
importante do que o deus dinheiro. Obrigado por nos lembrar que existe este
outro tipo de cultura!”
Neste sentido, o Papa quis começar a reivindicar
estes valores, que que não são cotados na Bolsa: valores que não são objeto de
especulação e nem têm preço de mercado. O caminho de Jesus teve início na
periferia, entre os pobres e pelos pobres. Reconhecer isso não significa
ignorar a terrível injustiça da marginalização urbana. As feridas provocadas
pelas minorias concentram o poder, a riqueza e esbanjam egoisticamente enquanto
a crescente maioria deve refugiar-se em periferias abandonadas, contaminadas,
descartadas.
Isto se agrava ainda mais, frisou Francisco, diante
da injusta distribuição do terreno que, em muitos casos, leva inteiras famílias
a pagarem aluguéis abusivos por habitações em condições imobiliárias
completamente inadequadas. O Papa recordou ainda o grave problema da sonegação
de terras por parte de “empresários privados” sem rosto.
Aqui, o Santo Padre referiu-se a outro grave
problema: a falta de acesso às infraestruturas e serviços básicos, de modo
particular, à água potável: “O acesso à água potável e segura é um direito
humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das
pessoas. Negar a água a uma família, sob qualquer pretexto burocrático, é uma
grande injustiça”.
Este contexto de indiferença e hostilidade, de que
sofrem os bairros populares, se agrava, disse o Papa, quando a violência se
espalha e as organizações criminosas, ao serviço de interesses econômicos ou
políticos, utilizam crianças e jovens como “bala de canhão” para os seus
negócios sangrentos. E exortou:
“Peço a Deus que as autoridades assumam em conjunto
o caminho da inclusão social, da educação, do esporte, da ação comunitária e da
tutela das famílias, porque esta é a única garantia de uma paz justa,
verdadeira e duradoura. Estas realidades são uma consequência de novas formas
de colonialismo, que pretendem que os países africanos sejam peças de um
mecanismo e de uma engrenagem gigantesca. Na verdade, não faltam pressões para
que sejam adotadas políticas de descarte, como a redução da natalidade”.
Por fim, o Bispo de Roma propôs retomar a ideia de
uma respeitosa integração urbana, sem erradicação e paternalismo, sem
indiferença e mero confinamento. A dívida social e ambiental para com os pobres
das cidades pode ser paga com o direito sagrado dos três “T”: terra, teto e
trabalho.
O santo Padre concluiu seu discurso aos favelados
de Kangemi, com o seguinte apelo:
“Quero chamar a atenção de todos os cristãos, especialmente
dos Pastores, para que renovem o impulso missionário; tomem iniciativas contra
as tantas injustiças; envolvam-se nos problemas dos vizinhos e os acompanhem
nas suas lutas; salvaguardem os frutos do seu trabalho comunitário e celebrem
juntos todas as vitórias, pequenas ou grandes. Esta é uma tarefa talvez a mais
importante, porque os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho”.
Rezemos, trabalhemos e nos comprometamos, disse por
fim o Papa, para que cada família tenha um teto digno, acesso à água potável,
energia para iluminar, cozinhar e melhorar suas casas; que todo o bairro tenha
ruas, praças, escolas, hospitais, espaços desportivos, recreativos e
artísticos; que todos possam gozar da paz e da segurança que merecem.
Fonte e imagem: News va
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