Não goste, ame! Pois somente o AMOR é capaz de construir o mundo. (Antonio Luiz Macêdo)..

terça-feira, 19 de julho de 2016

A Foto do Fato: Dança macabra



As Flores do Mal, o mais importante dos livros de Baudelaire, não contenta objetivos menores. Dança Macabra não é apenas poesia, cada verso conta e ressoa na alma de quem escuta a amplitude de todo significado. De alguma forma, os versos amplificam sentidos, dos mais superficiais aos de profundezas abissais. Muito além do amor e sentimentos diversificados, leva o autor francês ao gosto noturnal de quem se atreve a buscar em suas entranhas mais que conhecimento e volúpia; volúpia que transcende, na língua culta portuguesa, os sentimentos fartos de Florbela Espanca.

A morte, que admira a risível humanidade, é a mesma que desperta tormentos ao que se crê belo consigo, que se afirma forte e com ela arde nos horrores de uma sedução que causa alarde. Um poço de erros e balelas vitrifica falsos prazeres, em elegantes armaduras que mais não fazem que preencher a necessária estrutura para carnes sem sutura. O despudor de um chiste descabido mal esconde o buquê de soberba desenvoltura, que espezinha a mais antiga dor alambicada, que nem o desassossego de Fernando Pessoa soube explicar.

De humanidades, inumanidades, conjuração de violências e discursos proféticos se faz uma forma de arte, aquela mesma que distorce e contorce os fatos para convencer o crédulo, incapaz de elaborar e executar o crivo da própria consciência. Algo como o que Panofsky não hesitaria em apontar como “satanocracia”; a recriação do que de repulsivo produziu a Idade Média, que foi desgostado na Renascença, e pelo avesso se mostra, novamente, por ausência de formação e prática dos conhecimentos que a História proporciona às Nações.

É conhecida a afirmativa de Kant, a poucos dias de sua morte, reportada por Panofsky, contradizendo a imagem do raciocínio objetivo e desinteressado, firme e exato do autor mesmo hoje cultuado, de não se sentir abandonado pelo senso de humanidade. O filósofo de Konigsberg, sem dúvida, não fazia mera retórica, mas atribuía à palavra “humanidade” um sentido ético, inabitual para quem faz das artes da convivência um exercício de polimento da malversação.

As Flores do Mal, mais que um título na prateleira, é obra que merece ser pensada e discutida sob múltiplas perspectivas. As Ladainhas de Satã parecem povoar de atualizada florescência um cenário conhecido, na República como no Império, e sondar almas que caminham rindo-se de impropérios. Louvaminhas ao príncipe do exílio, menestrel das coisas subterrâneas, que com sua mão esconde precipícios, que guarda contra o povo arsenais, que cultua o amor das coisas rotas, que tem a marca do impiedoso e vil, são sementes espargidas por uma grei que ao terreal se aferra e o mais desconhece.

Poesia, história e boa filosofia evitariam muito do que hoje se vê: ímpeto por glórias que a morte do semelhante desconhece, alma de quem não percebe, mas a cada ato adoenta e falece.

Bruno Terra Dias


Fonte e imagem Google

reflexõesdeumaprendizdavida

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