Uma das principais características da personalidade
da Mãe é o silêncio. Plasmada no coração do Pai pelo Espírito Santo, o silêncio
absoluto herdou do esposo este dom inefável. Prefere “guardar todas as coisas para meditar no seu coração”. (Lc 2,19).
Quando em alguns momentos fez-se necessário que a
sua voz fosse ouvida, falou; suas palavras, porém, eram mansas, delicadas e
cheias de ternura. Os Evangelhos, segundo Lucas e João, guardam as suas sete
expressões vocais pronunciadas dentro de circunstâncias diversas.
1. Como se fará isso, já que eu não convivo com
um homem? (Lc 1,34)
Esta fala de Maria está situada no contexto da
Anunciação. Gabriel comunica que ela conceberá e dará à luz um filho. Ela não
entende. Para que um filho fosse gerado era indispensável a existência de um
relacionamento conjugal. E não só isso: o casamento era um ato legal, público e
religioso para o povo judeu. Ela não era casada, estava apenas prometida em casamento. Não
pode, por enquanto, manter um relacionamento íntimo com José. Se aparecer
grávida antes do casamento, ela sabe muito bem o que a espera e o que espera
qualquer jovem que age assim. “Será
levada até a frente da casa do seu pai e os homens da cidade a apedrejarão até
a morte, por haver cometido uma infâmia em Israel, prostituindo-se na casa
paterna” (Dt 22,21). De que maneira ela conceberia? Como? Contrariando toda
a ciência? Indo de encontro aos preceitos instituídos pelo próprio Criador? Ele
mesmo dissera, estava escrito no Gênesis: “...serão
uma só carne”. (Gn 2,24); e um pouco antes: “Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a!” (Gn
1,28). O anjo tranqüiliza o seu coração: “O Espírito Santo virá sobre ti”. (Lc 1,35). Ela acolheu esta
palavra e esperou.
2. Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim
segundo a tua palavra. (Lc 1,38)
Ainda no contexto da Anunciação, o anjo explicíta a
Maria três sinais que caracterizariam aquele a quem ela iria gerar: “Ele será grande, será o Filho do Altíssimo
e será Rei”. Na sua pequenez, na sua humildade, na sua servidão, ela
abrigaria o Grande, o Altíssimo, o Rei. E José? E os seus planos? E o seu
casamento? Faltava tão pouco!... A casinha estava ficando linda! Um pequeno
canteiro de flores denunciava o quanto ele era romântico e sensível! Estava
tudo pintado, limpinho, mobiliado... Fazia gosto de ver! A carpintaria ficava
próxima. De vez em quando poderia ir até lá levando alguns figos ou alguns
pãezinhos assados na hora para recompor as energias do seu amado. À tardinha,
junto do portão, revestida de simplicidade e singeleza, esperaria ansiosa a sua
volta e o abraçaria, e o beijaria, e o conduziria pela mão até o seu pedacinho
do céu. E agora? O chamado, o apelo de Deus são maiores, infinitamente
superiores aos seus sonhos. Seus sonhos são nada diante da Missão Maior. Ela é
nada. Deus é o Tudo. Diante dele ela só pode curvar-se. É a escrava do Senhor.
No Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima
Virgem, São Luís Maria Grignion de Montfort assinala cinco diferenças fundamentais
entre um servo e um escravo:
a) Um servo não dá a seu patrão
tudo o que é, tudo o que possui ou pode adquirir por outrem ou por si mesmo;
mas um escravo se dá integralmente a seu Senhor, com tudo o que possui ou possa
adquirir, sem nenhuma exceção.
b) Servo exige salário pelo
serviço que presta a seu patrão; o escravo, porém, nada pode exigir, seja qual
for a assiduidade, a habilidade, a força que empregue no trabalho.
c) Servo pode deixar o patrão
quando quiser, ou ao menos quando exp tempo de serviço, mas o escravo não tem
esse direito.
d) O patrão não tem sobre o
servo direito algum de vida e morte, , de modo que, se o matasse como mata um
dos seus animais de carga, cometeria um homicídio; mas, pelas leis, o senhor
tem sobre o escravo o poder de vida e morte; de modo que pode vendê-lo a quem o
quiser, ou matá-lo como o faria a seu cavalo
e) O servo, enfim, só por algum
tempo fica a serviço de um patrão, enquanto o escravo o é para sempre.
f) A vontade da
escrava é a vontade do seu senhor. Maria, sendo escrava, faz somente a vontade
de Deus, o seu Senhor.
3. Shalom!!! (Lc 1,40)
Nós, latino-americanos, costumamos nos saudar de
três maneiras: Bom dia, boa tarde ou boa noite. Os árabes, os russos – por
exemplo – saúdam-se com um beijo de cada lado da face (inclusive os homens). A
saudação para o povo judeu, no entanto, tem uma conotação religiosa muito
explícita. Naquele momento do encontro entre a mãe do Salvador e a mãe do
Precursor, esta conotação eleva-se ao auge. Shalom! Shaaaaalooommmm!!! Isabel, eu te desejo de todo o meu
coração, saúde, felicidade e, acima de tudo, paz. Não a paz que o mundo oferece
e sim, a paz que o mundo não conhece, a paz que somente Ele pode dar. A paz da
qual eu sou a portadora Aquela paz que Isaías fala: “O lobo, então, será hóspede do cordeiro; o leopardo vai se deitar ao
lado do cabrito; o bezerro e o leãozinho pastarão juntos; uma criança pequena
tocará os dois; a ursa e a vaca estarão pastando e suas crias estarão deitadas,
lado a lado,; o leão, assim como o boi, comerá capim. O bebê vai brincar no
buraco da cobra venenosa e a criancinha enfiará a mão no esconderijo da
serpente. Ninguém fará mal, ninguém pensará em prejudicar na minha santa
montanha. Pois a terra estará repleta do conhecimento do Senhor, assim como as
águas cobrem o mar” (Is 11,6-9). É esta paz que eu te desejo. Paz que é
fruto do Espírito Santo e desemboca na cachoeira da alegria interior. Banha-te
desta paz! Mergulha nas águas profundas desta alegria para que te possas
revestir das cascatas do júbilo e da esperança!
4. A minha alma engrandece o
Senhor... (Lc 1,47-55)
É a primeira
frase do Magnificat. Por si só já traduz um hino de louvor à magnificência de
Deus. Ele é Grande, é o Altíssimo, é o Rei. A minha alma não pode silenciar.
Engrandecê-lo, louvá-lo, exaltá-lo, bendizê-lo é a minha missão., foi para isso
que eu nasci. E porque o glorifico o meu
espírito exulta, não cabe em si de alegria, está encharcado de júbilo em Deus, meu Salvador. A sua
misericórdia me escolheu e me preparou desde toda a eternidade, e me
predestinou para que fosse salva pelos méritos do meu Filho Jesus. Fui salva
antecipadamente não por merecimento, mas por amor, porque ele olhou para a humildade de sua serva. Humildade que é
dom, que é graça concedida pela sua benevolência àqueles a quem ele quer dar, e
tem como pré-requisito a qualidade de escravo. Desde agora todas as gerações me proclamarão bem-aventurada,
bendita, feliz, não porque eu seja por mim mesma; não porque eu queira me
engrandecer e me exaltar, mas porque fez
em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é santo. Ele libertou o
seu povo peças mãos de Moisés e o conduziu através do deserto à Terra
Prometida, para nos mostrar que a sua
misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem. Onde
estão os poderosos da Babilônia, da Assíria, da Pérsia, do Egito, de Roma? Onde
se encontram os tronos de Nabucodonosor, do Faraó e de Herodes? Ele mostrou a força do seu braço, dispersou
os que têm planos orgulhosos no coração. O mistério das suas escolhas é insondável!
Preferiu Jacó a Esaú; escolheu Davi em vez de Eliab; elegeu-me... Derrubou os poderosos dos seus tronos e
exaltou os humildes. Encheu de bens os famintos e mandou embora os ricos, de
mãos vazias. Acolheu Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia,
conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência,
para sempre. Isabel, nós somos desta
descendência. Ele nos cumula de bens. Ele nos acolhe e derrama a sua
misericórdia sobre nós. Somos da descendência de Abraão, somos os descendentes
da Promessa: “Farei de ti uma grande
nação e te abençoarei. Engrandecerei o teu nome, de modo que ele se torne uma
bênção. Abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem.
Em ti serão abençoadas todas as famílias da terra” (Gn 12,2-3). Isabel! Isabel! A minha alma glorifica o
Senhor!
5. Filho, por que agiste assim conosco? (Lc 2,48)
Os preparativos prolongaram-se alguns dias para que
nada fosse esquecido. Maria tivera muitas coisas para arrumar. Era a primeira vez
que a família iria a Jerusalém cumprir o preceito da Lei. Jesus não cabia em si
de contentamento! No dia seguinte, cedinho, juntavam-se às caravanas, José,
Maria e Jesus. Homens de um lado, mulheres do outro, em longas filas, partiam
cantando o Salmo 122: “Fiquei alegre
quando me disseram, vamos à casa do Senhor!” Após alguns dias de percurso,
vencidos aproximadamente 150km, já à entrada da cidade, as vozes se
fortaleciam, o cansaço dava lugar a euforia e a caravana exultante completava: “E agora se detêm nossos pés às tuas
portas, Jerusalém. Jerusalém é construída como cidade sólida e compacta. É para
lá que sobem as
tribos, as tribos do Senhor, segundo a lei de Israel, para louvar o nome
do Senhor. Pois lá estão os tribunais de justiça, os tribunais da casa de Davi.
Desejai a paz para Jerusalém: vivam em paz os que te amam! Haja paz nos teus
muros, segurança nos teus palácios. Por amor a meus irmãos e a meus amigos eu
direi: -Paz para ti. Por amor à casa do Senhor, nosso Deus, te desejo a
felicidade”.
Sete dias foram o bastante. O encanto e a admiração
de Jesus era notória a todos. O tempo passara rápido demais. O dia do regresso
amanheceu cinzento. Depois da caminhada de quase um dia, a aflição: Jesus não
se encontra na caravana. Tristeza, angústia, ansiedade, culpa, descuido,
desatenção, eram alguns dos sentimentos que tomavam conta de Maria e de José,
durante o retorno a Jerusalém, à procura incessante do menino. “Depois de três dias, o encontraram no
Templo, sentado entre os mestres, ouvindo-os e fazendo-lhes perguntas” (Lc
2,46). O Messias foi enviado não para destruir a Torá, mas para levá-la à
perfeição. “Eu digo a vocês que não
precisa matar, basta tratar mal o irmão para que sejam julgados. É suficiente
olhar para uma mulher com desejo de possuí-la no coração para cometerem
adultério. O casamento é indissolúvel porque é uma aliança entre um homem, uma
mulher e Deus; por isso o divórcio é pecado. Que vocês falem sempre a verdade e
nunca jurem, nem pelo céu, nem pela terra, nem pelo nome de Deus. Em nenhuma
circunstância a vingança será permitida; cabe apenas ao Pai realizar a justiça.
Que o amor entre vocês não seja restrito, mas seja abrangente e acolha a todos,
inclusive os inimigos”. “Todos
aqueles que ouviam o menino ficavam maravilhados com a sua inteligência e suas
respostas. Seus pais quando o viram, ficaram comovidos e sua mãe lhe disse:
‘Filho, por que agiste assim conosco? Olha, teu pai e eu estávamos à tua
procura!’” Filho, olha para nós. Vê
quanta angústia nos nossos olhos e nos nossos gestos! Nós te amamos tanto!
Somos capazes de dar a vida por ti. Tu és o maior dos nossos sonhos, a razão do
nosso amor e de nossa vida. Por que agiste assim? A resposta foi seca e
lacônica: “Não sabíeis que devo cuidar
das coisas do meu Pai?” (Lc 2,49) José e Maria silenciaram, “pois não compreenderam a palavra que ele
lhes falou” (Lc 2,50). Voltaram para Nazaré. Estas palavras continuaram
incompreensíveis por muito tempo. Mas “sua
mãe guardava todas essas coisas no coração” (Lc 2,51).
6. Eles não têm vinho! (Jo 2,3)
Era a festa de celebração de um casamento na cidade
de Cana, na Galiléia. João não cita o nome dos noivos. Maria, Jesus e os seus
discípulos haviam sido convidados e estavam lá. Festa bonita e organizada. Os
mínimos detalhes foram pensados. Um casamento, à primeira vista, de gente de
posse, pois havia o mestre de cerimônia e os garçons para servir aos convivas.
Sete dias de duração! O que saltava aos olhos era o número de convidados que
dava a impressão a quem olhasse de fora, estava muito além do que fôra
previsto. Talvez “penetras” ou parentes mais distantes que se sentiram
convidados ou mesmo, convidaram-se; talvez conhecidos que se acharam no direito
de participar dos comes e bebes... O certo é que a oferta foi menor do que a demanda
e, no quarto dia, o vinho acabou. E acabou justamente porque Maria e Jesus
estavam lá. Maria, para levar a preocupação desse vexame a Jesus; Jesus, para
acolher o vexame e realizar o milagre. A Mãe aproxima-se dele e diz: “Eles não têm vinho!” (Jo 2,3). “Filho,
vê a aflição dos noivos! A vergonha está estampada nos seus olhos. Que
decepção! Prepararam tudo com tanto esmero e logo agora, no melhor da festa,
faltar o vinho. O que eles vão dizer? Como vão explicar-se diante dos
convidados? Filho!...” “Mulher, isto
compete a nós? A minha hora ainda não chegou” (Jo 2,4). Maria não curvou a
cabeça. Ela sabia em quem depositava sua confiança! Naquele momento, a
lembrança das palavras do anjo pronunciadas há mais de trinta anos,
fortaleceram-na: “Ele será Grande, será
chamado Filho do Altíssimo, o seu Reino não terá fim” (Lc 1,32-33). É ele!
O filho que gerei nas minhas entranhas, o filho que se alimentou do meu leite,
ele é o Filho do Altíssimo. Eu não posso porque sou apenas escrava, mas ele é
Rei, ele pode e vai realizar o milagre.
7. Fazei tudo o que ele disser! (Jo 2,5)
É a ordem resoluta da Mãe para os serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5).
Eis a mais simples e mais eficiente receita que nos foi deixada por Maria!
Ela se reconhece unicamente como a escrava humilde do Senhor. Após estas
palavras, imediatamente ela sai de cena. Esconde-se. Encanta-se. Então as
talhas são cheias de água e o prodígio acontece. O vinho mais puro finalmente
jorrou das seis talhas de pedra. E a alegria se fez presente outra vez naquela
festa de casamento, pela intercessão daquela que é A CHEIA DE GRAÇA.
Antonio Luiz Macêdo
Imagem google
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