Criado
à imagem e semelhança da Trindade e modelado do barro da terra pelas mãos do
próprio Pai, numa demonstração inequívoca de carinho, ternura e amor, o homem
tornou-se um ser vivente pelo sopro do Hálito da Vida. Incompleto, sexual e
afetivamente, buscava a sua plena realização na “posse” dos animais que eram
colocados à sua frente para que os nominalizasse. Porém, nada seria capaz de
preencher o vazio do seu ser. Cercado de plantas, rios, mares, flores, peixes,
pássaros; instalado no Jardim do Éden; iluminado e aquecido pelo sol durante o
dia e contemplado pela lua e pelas estrelas durante a noite, o homem sentia-se
só. O peso da solidão o esmagava e dilacerava o seu coração moldado para o
encontro, a comunicação e o amor.
Deus
vem em seu auxílio. Sentindo a amargura e a tristeza que o envolviam, pronuncia
uma frase que revolucionaria a história do homem e do mundo: “Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer
uma auxiliar que lhe seja adequada” (Gn 2,18). Quando acordou do sono a que
havia sido induzido, o homem encontra-se diante daquela que lhe seria a ajuda adequada
e comunica-lhe verbalmente a primeira
declaração de amor de que se tem notícia: “Esta
sim é osso dos meus ossos e carne da minha carne!” (Gn 2,23). Que
declaração estranha! Que palavras esquisitas! Mas quando traduzidas e
transpostas para a cultura oriental para a nossa cultura, ela se permeia de
significado. “Esta sim é o meu
sustentáculo! Ela é a minha força, é uma pessoa, é um ser humano igual a mim em
dignidade! Está à minha altura psíquica, sexual, emocional e afetivamente. Ela
foi tirada de mim. Ela é a tu de mim, é a minha complementaridade. Nela eu me
encontro, com ela me comunico e por ela eu amo”. E o amor humano germinou!
Mas
“no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho”.
Embora revestidos pela graça, a liberdade falou mais alto e a pedra do orgulho
e da presunção atingiram em cheio os seus corações. Afastando-se de Deus pela
desobediência, conheceram as dores, os sofrimentos, os cansaços, as angústias,
as depressões, as mágoas, os ressentimentos, as ansiedades... Nascidos para a
imortalidade, transportaram a partir daquele instante, a semente da morte para
cada um de nós: “Pois como o pecado
entrou no mundo por um só homem e, através do pecado, a morte; a morte passou
para todos os homens porque todos pecaram” (Rm 5,12).
O
mais maravilhoso, porém, é que Deus não os abandonou à própria sorte. Vem ao
encontro dos dois e os faz testemunhas vivas da sua misericórdia, proferindo a
Palavra de Salvação, a Palavra do restabelecimento da aliança rompida no
Jardim.: “Porei inimizade entre ti e a
mulher, entre a tua descendência e a descendência dela. Ela te esmagará a
cabeça e tu a ferirás no calcanhar” (Gn 3,15). A promessa havia sido
decretada; restava apenas a espera. E vemos
“entretanto que o dom da graça foi sem proporção com o pecado. Pois se pelo
pecado de um só toda a multidão humana foi ferida de morte, muito mais
copiosamente se derramou sobre a mesma multidão, a graça de Deus, concedida na
graça de um só homem, Jesus Cristo” (Rm 5,15).
Decênios,
séculos, milênios decorreram. Corações e mais corações foram suscitados para
preparar esse momento. Mas esse momento já havia sido preparado desde toda a
eternidade no coração de Deus. Onipotente, onipresente e onisciente, ele bem
sabia que os nossos primeiros pais não haveriam de suportar a presença da
serpente. Por isso gestara em seu coração desde toda a eternidade, o seu
projeto de reconciliação. “E porque o
mundo era indigno de receber o Filho de Deus diretamente das mãos do Pai – diz
Santo Agostinho – ele o deu a Maria a fim de que o mundo o recebesse por meio
dela”. Estava revelado o mistério. Uma mulher seria sua portadora.
Escolhida e plenificada por Deus com toda a sua graça, Maria era a primeira
criatura a ser embalada nos sonhos do Pai. Gerada na carne através do amor de
um casal que se amava profundamente – Joaquim e Ana – “a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua Conceição, por
singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus
Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada e imune de toda mancha do
pecado original” 1.
A
espera se prolongava, enquanto Maria crescia em humildade “diante de Deus e diante dos homens”, exercitando-se no silêncio e
na oração. À medida em que
Adonai2
a
preparava, a inquietação reinava nas mentes apreensivas das mulheres de Israel.
A certeza, muitas vezes revestia-se de desesperança e a esperança, não raro,
toldava-se entre nuvens escuras e sombrias. Vozes clamavam aos céus com Isaías:
“Que os céus deixem escorrer lá de cima
e que as nuvens façam chover a justiça! Abra-se a terra deixando germinar a
salvação e ao mesmo tempo brote a justiça” (Is 45,8).
“Quando
chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho...” (Gl 4,4)
A
maneira escolhida por Deus revestia-se de uma solenidade toda peculiar. A
Escolhida, a Agraciada, aquela que havia sido gestada desde todos os séculos no
coração do Senhor e que seria a Senhora, precisava dar o seu sim. O anjo
Gabriel3 – portador das
boas notícias - é enviado por Deus a
Nazaré da Galiléia. É lá que Maria mora e vive com os seus pais. Prometida em
casamento a José, espera ansiosamente o momentos dos esponsais.4 Entrando onde ela estava o
anjo disse: “Alegra-te cheia de graça! O
Senhor está contigo” (Lc 1,28). É como se ele estivesse dizendo: “Exulta, rejubila, salta de alegria,
glorifica ao Senhor, porque o Senhor está contigo! El Shaddai – o Deus
Todo-Poderoso – o Criador dos mundos e do universo está em teu coração. Tu te
tornaste verdadeiramente o Templo de Deus, e a Trindade repousa em ti”.
Maria
fica confusa. Os pensamentos, como turbilhão, tomam conta da sua cabeça de
jovem de 15 anos: “O que significa isso? Eu
não estou entendendo nada!Eu só queria casar com o meu José e viver feliz,
fazendo-o feliz! Quero cuidar dos nossos filhos que virão como bênçãos do
Senhor...”
“Não tenhas medo Maria, pois encontraste graça
diante de Deus. Conceberás e darás à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus”
(Lc 1,30).
_Maria!
Maria! O Senhor te cumulou de graças, de bondade, de justiça, de fé, de
esperança e de amor, e tu correspondeste, tu não decepcionaste. Tu foste a Escolhida para conceber e gerar o
Deus Salvador. Através de ti a aliança rompida será restaurada, pois que és a
portadora do Redentor. Aquele que conceberás “será grande, será chamado Filho do Altíssimo e o
Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai. Ele reinará para sempre sobre a
descendência de Jacó e o seu reino não terá fim” (Lc 1,33).
_Gabriel, como conceberei o Grande na minha
pequenez? Como gerarei o Altíssimo dentro da minha humildade? Como darei à luz
o Rei, se sou escrava? O anjo
respondeu: “O Espírito Santo virá sobre
ti e a força do Altíssimo te revestirá com a sua sombra. Por isso o ente santo
que nascer de ti será chamado Filho de Deus” (Lc 1,35).
_Maria, o mesmo Espírito que “pairava sobre as
águas” nos inícios da Criação; o Sopro que fez do homem um ser vivente; o
Espírito que impulsionou Abraão rumo à Terra Prometida e suscitou Moisés como
libertador; o Espírito do qual Eliseu pediu uma porção dobrada ao profeta
Elias, é este mesmo Espírito que virá sobre ti. E ele “fará novas todas as
coisas”.
Maria
reflete, ora, entra em comunhão com Deus. Quando retorna da contemplação
interior os seus lábios virginais pronunciam as palavras de consentimento mais
esperadas em todos os tempos: “Eis aqui
a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). E os
céus, a terra, os principados, as potestades, os tronos, as dominações, os
anjos, arcanjos, querubins e serafins, exultam de alegria que se transmite por
todo o cosmos e em uníssono proclamam aos quatro cantos do universo: “Amém! Amém! Amém!...”
“E o anjo retirou-se” (Lc 1,38b).
Paz e Luz
Antonio Luiz Macêdo
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1
Dogma da Imaculada Conceição, proclamado pelo papa Pio IX em 1854.
2
Palavra hebraica que significa o Senhor.
3
Gabriel significa Deus é poderoso.
4
Procissão à luz de velas que conduzia a noiva até a casa do noivo.
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