Quando se está plenificado
do Espírito Santo, ele provoca em nós um desejo de nos desinstalarmos, de
sairmos de nós mesmos em direção aos irmãos. Com Maria não poderia ter sido
diferente. Após aquela “lua-de-mel” espiritual indescritível, ela parte às
pressas para Ain Karin1,
na Judéia. Sim, na Anunciação o anjo dissera: “Também Isabel, tua parenta,
concebeu um filho na sua velhice. Este já é o sexto mês daquela que era chamada
estéril, pois para Deus nada é impossível” (Lc 1,36-37).
O Espírito Santo tem pressa.
Ele não pode esperar. A disponibilidade para servir é dom exclusivamente dele e
necessita ser posto em prática o mais rápido possível.
Não sabemos quanto tempo
durou o percurso; o que sabemos é que durante todo aquele trajeto, a esposa do
Espírito Santo esteve submetida aos cuidados e desvelos do Pai, porque conduzia
no seu ventre – âmbula divina e ostensório sagrado – o Filho de Deus feito
gente.
“Quando
chegou à casa de Zacarias, entrou e saudou Isabel” (Lc 1,40). O
que haveria de extraordinário naquela saudação? Tratava-se do cumprimento
normal utilizado pelo povo judeu desde épocas imemoriais. Isabel não viu Maria;
apenas ouviu a sua saudação: “Shalom!
Shalom!2 E tudo mudou!
Zacarias3 e Elisabeth4
(Isabel) eram casados há muitos anos. Sonhavam com um filho, mas Isabel era
estéril. Faltava apenas o fruto desse amor para que ele fosse plenamente
realizado. Agora com a idade avançada, o sonho e a esperança desvaneciam-se como o sol que desaparece
lentamente no ocaso.
Um dia em que exercia as
funções sacerdotais, “apareceu-lhe o anjo do Senhor, de pé, à
direita do altar e lhe disse: _Não tenhas medo, Zacarias, porque o Senhor ouviu
o teu pedido! Isabel, tua esposa, vai te dar um filho e tu lhe porás o nome de
João5. Ficarás alegre e feliz e muitos se alegrarão com o seu
nascimento. Ele será grande diante do Senhor. Não beberá vinho nem bebida
fermentada e desde o ventre da mãe ficará cheio do Espírito Santo.” (Lc
1,11.13-15).
Porque duvidou em seu
coração, Zacarias ficou mudo. “Algum tempo depois, sua esposa Isabel ficou
grávida e permaneceu escondida durante cinco meses” (Lc 1,24).
Isabel refugiou-se,
escondeu-se na casa da serra. Seria demais aparecer diante das amigas naquele
estado. Com aquela idade, o que não iriam pensar? E os comentários que
infalivelmente correriam de boca em boca? A vergonha, a depressão pelo
isolamento, a apreensão, foram maiores do que o sonho de ser mãe. Isabel não
era feliz!
É com estes sentimentos
perpassados pela sua sensibilidade que ela ouve a saudação. “Quando
Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou de alegria em seu ventre e
Isabel ficou repleta do Espírito Santo” (Lc 1,41).
É interessante notar que
aqui se cumpre a profecia do versículo quinze: o menino fica cheio do Espírito
Santo e regozija, pulando de alegria no ventre de sua mãe. Por sua vez, Isabel
fica repleta do Espírito Santo. E aí, tudo muda; porque o Espírito Santo é
aquele que “faz novas todas as coisas”. Isabel, antes tímida, fraca, recatada,
depressiva, triste, medrosa, envergonhada de sua gravidez, agora “exclama com
voz forte: _Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!”
(Lc 1,42). Que transformação! Que diferença radical o Espírito Santo pode
realizar naqueles que são dóceis à sua presença! Isabel não sabia que Maria
estava grávida e muito menos que o seu ventre gerava o Filho do Altíssimo. E por que reconhece Maria como bendita,
bem-aventurada, feliz entre todas as mulheres de todos os tempos e de todos os
lugares? E mais: Por que ela sabe que o fruto que Maria traz em seu ventre é
bendito, se aquela barriguinha ainda não dá mostras visíveis de gravidez? Ela
não sabe de nada, mas o Espírito Santo a inspirou se derramando abundantemente
sobre ela e acordando “a voz que um dia,
clamaria no deserto”.
A presença de Maria, grávida
do Salvador pelo poder do Espírito, por si só é fonte de renovação, de
restauração e de ressurreição. Isabel não era mais a mesma. A casa de Zacarias
não era mais a mesma. O clima era outro, o relacionamento era outro.
Respirava-se alegria, paz, esperança. A fé havia sido reavivada, o amor era
mais amor. Enfim, a vida nascera outra vez. E numa efusão de contentamento que
assomava todo o seu ser, Isabel exclama: “Como mereço que a mãe do meu Senhor venha me
visitar? Logo que a tua saudação ressoou nos meus ouvidos, o menino pulou de
alegria no meu ventre. Feliz aquela que acreditou, pois o que lhe foi dito da
parte do Senhor será cumprido” (Lc 1,43-45).
Maria se faz silêncio. Não
entende o que está acontecendo, mas guarda essas coisas no coração. Se Lucas
tivesse registrado pormenorizadamente este encontro entre os limiares do Antigo
e do Novo Testamento, talvez houvesse incluído o pensamento da Mãe:
_Isabel, eu sou apenas a mãe, mas ele é tudo. A visita que transformou
tua vida e tua casa foi ele quem realizou. Ele é o meu Senhor, o teu Senhor, o
nosso Senhor. Nunca teremos merecimento para que ele venha até nós. Tudo é
graça, é dom, é presente que ele nos quer ofertar: até a sua presença. A
saudação que ouviste não foi minha, somente emprestei minha voz para que o
Espírito Santo te saudasse por mim. Por isso não me viste, porquanto era ele
quem falava pela minha voz. Quero agora te confessar uma coisa: na realidade eu
sou feliz! Muito feliz! Meu coração transborda de alegria; todo o meu ser
exulta de felicidade; meu corpo, minha alma e meu espírito rejubilam. Isabel,
minha irmã, sinto a minha vida inundada de sustenidos e bemóis que compõem a
mais bela de todas as sinfonias.
Maria então cantou: “A
minha alma engrandece o Senhor e meu espírito exulta de alegria em deus meu
Salvador, porque ele olhou para a humildade de sua serva. Doravante todas as
gerações me proclamarão bem0aventurada porque fez em mim maravilhas aquele que
é poderoso e cujo nome é Santo” (Lc 1,47-49).
As primeiras estrelas
surgiam num céu extremamente azul. Timidamente a lua se levantava por trás da
montanha. Os pássaros se recolhiam sorrateiramente. E naquela noite, quando o
tempo se fez silêncio, poderia ser ouvida nitidamente a voz de todos os anjos
repetindo em coro, com Maria: “A minha
alma engrandece o Senhor...o Senhor é poderoso... o Senhor é Santo”. E Ain
Karin dormiu em paz.
Paz e Luz
Antonio Luiz Macêdo
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1 Vilarejo
situado nas montanhas da Judéia onde Isabel se refugiara com vergonha da sua
gravidez. Distava 150 km
de Nazaré.
2
Palavra hebraica que significa paz, saúde, prosperidade, salvação. Quando o
judeu diz Shalom, está desejando tudo de bom para você.
3
Significa o Senhor se lembrou.
4
É traduzido como Deus jurou.
5
Yohanan significa o Senhor concede graça.
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