Relacionados com este título podem estar ainda os números das ofertas dos chefes (cap. 7), das ofertas, libações e sacrifícios a oferecer pelo povo (cap. 15 e 28-29). Trata-se, porém, de um livro narrativo com alguns trechos legislativos, que se enlaça com o Êxodo, do qual está literariamente separado pelo código legislativo do Levítico.
CONTEÚDO E DIVISÃO O conteúdo deste livro abrange as peripécias ou vicissitudes da caminhada pelo deserto, desde o Sinai até às margens do rio Jordão, fronteira oriental da Terra Prometida. No aspecto histórico, a narrativa pode dividir-se em três grandes seqüências literárias:
I. No deserto do Sinai (1,1-10,10). Referem-se as ordens de Deus para a caminhada através do deserto com a disposição do acampamento das tribos, os deveres dos levitas e outras leis de caráter ritual.
II. Do Sinai a Moab (10,11-21,35). Os acontecimentos mais importantes desta segunda parte estão marcados por etapas geográficas, algumas das quais são difíceis de identificar. Descreve-se a caminhada direta para Cadés-Barnea, mesmo na fronteira sul de Canaã e, depois, a inflexão para oriente e a errância penosa durante quarenta anos através do deserto até à chegada a Moab, já na fronteira da Terra Prometida.
III. Na região de Moab (22,1-36,13). Começando com a bênção de Balaão, as narrativas desta terceira parte apresentam um novo recenseamento dos israelitas, descrevem a nomeação de Josué para substituir Moisés, contêm algumas prescrições de caráter cultual, narram a luta contra os madianitas e a partilha de Canaã com a instalação das tribos de Ruben, Gad e parte de Manassés em Guilead, na Transjordânia, e a recapitulação das etapas do Êxodo.
Como tal, no seu encadeamento histórico, o livro dos NÚMEROS é inseparável da epopéia do Êxodo. Mas, também nele, é preciso ter presente que as narrativas foram redigidas bastante depois dos acontecimentos históricos, à luz da perspectiva da fé e da celebração litúrgica do templo de Jerusalém, já na Terra Prometida.
A redação definitiva deste livro deve colocar-se em data posterior ao exílio da Babilônia. Certas leis, sobretudo, são determinadas pela prática ritual estabelecida pelos sacerdotes após o Exílio (séc. VI-V). De resto, só bastante tardiamente, graças a tradições orais muito antigas de proveniência diversa e a fontes documentais variadas, transmitidas como "memória do passado histórico", é que terá sido possível cerzir em unidade literária o conjunto das leis e a sequência dos acontecimentos.
TEOLOGIA Como quer que seja, toda a narrativa está articulada dentro do binômio da fidelidade-infidelidade à Aliança, evidenciando o movimento quaternário da História da Salvação: o povo peca, Deus castiga, o povo arrepende-se, Deus perdoa. Nos interlúdios do contrastante claro-escuro que as tentações acarretam, surge o difícil papel de Moisés, como mediador das exigências de Deus e advogado das necessidades e angústias do povo; mas, até ele acaba por sofrer um castigo, sendo privado de entrar na Terra Prometida, já com ela à vista. É a lei da pedagogia divina, a que até os homens de Deus têm de se sujeitar.
Afinal, o Livro dos NÚMEROS não é factualmente histórico; apresenta uma narrativa historicizante de acentuado valor didático-pragmático para que, no drama dos seus antepassados através do deserto, o povo eleito, já na Terra Prometida, soubesse enfrentar os desafios e as esperanças do seu futuro, tal como o pagão Balaão, qual profeta inspirado de Israel, o soube prognosticar (cap. 23-24).
LEITURA CRISTÃ Este foi um dos livros da Bíblia que não mereceu especial atenção na tradição da Igreja. No entanto, os modernos estudos sobre a Aliança e sobre a História da Igreja estão a fazer-lhe justiça. Apesar de não aparecerem aqui explicitamente alguns dos grandes temas do Pentateuco (Criação, Eleição, Promessa, Aliança, Lei), o livro dos NÚMEROS é já a realização da Aliança de Deus com o seu povo, por meio do culto.
O tema da bênção, de que o povo é depositário nos quatro oráculos de Balaão (23-24), anuncia a eleição da dinastia davídica (24,17).
Importante é ainda o tema da Tenda, lugar da Presença (Shekkinah) do Senhor, que caminha no meio do seu povo.
O tema do Deserto é também fundamental neste livro e foi dos que teve maior ressonância, tanto no resto do Antigo Testamento como no Novo: o povo de Israel, peregrino pelo deserto durante "quarenta anos", tornou-se o protótipo do novo povo de Deus, guiado por Jesus Cristo, que também foi ao deserto (Mt 4,1-11; Mc 1,12-13; Lc 4,1-13). Jesus Cristo é, para este novo povo liberto, a água viva (20,2-13; e Jo 4,1-26), o verdadeiro maná (11,6-9; e Jo 6,26-58), a verdadeira serpente de bronze que salva o seu povo. (21,4-9; e Jo 3,13-15; 1 Cor 10,9-11).
Imagem Google
Nenhum comentário:
Postar um comentário