A conferência de imprensa do Papa aos jornalistas
presentes no voo que o trouxe de volta a Roma, vindo do México, teve ampla
repercussão nos media internacionais. Entre os temas que mais chamaram a
atenção, estavam as palavras de Francisco sobre Trump e a imigração, a questão
dos greco-católicos após o encontro com Kirill, o vírus Zika e o recurso ao
aborto e à contracepção e o debate sobre as uniões civis entre pessoas do mesmo
sexo. A Rádio Vaticano pediu ao seu Director, Padre Federico Lombardi, uma
análise dos temas abordados.
O Papa sublinhou que quem pensa somente em levantar
muros e não pontes, não é cristão. Muitos falaram de uma excomunhão, se podemos
assim dizer, em relação ao candidato republicano na corrida pela Casa Branca,
Donald Trump ...
“Mas o Papa disse aquilo que bem sabemos, quando
seguimos o seu magistério e as suas posições: que não precisa construir muros,
mas pontes. Isto ele sempre diz, continuamente, e o diz também a propósito das
questões das migrações na Europa, muitas vezes. Portanto não é um problema
específico, limitado a este caso. É uma abordagem sua bem geral, muito coerente
com aquilo que é seguir com coragem as indicações do Evangelho do acolhimento e
da solidariedade. Naturalmente, isto depois foi muito reproduzido, mas não é
que quisesse que fosse, de forma alguma, um ataque pessoal, nem uma indicação
de voto. O Papa disse claramente que não entrava nas questões do voto na
campanha eleitoral nos Estados Unidos e disse também – algo que naturalmente
não recebeu muita atenção - que ele dizia isto no caso que fosse exacto e
verdadeiro aquilo que lhe havia sido referido, portanto, dando o benefício
também da dúvida a propósito daquilo que lhe foi referido pelas expressões do
candidato republicano. É, portanto, o conhecido discurso do acolhimento, de
construir pontes ao invés de muros, que é característico deste pontificado. Vai
interpretado e entendido neste sentido”.
Foi pedido ao Papa também um comentário sobre as
reacções dos greco-católicos na Ucrânia após a declaração conjunta assinada pelo
Papa Francisco e pelo Patriarca Kirill. O que poderia ser sublinhado na
resposta do Pontífice?
“Havia coisas muito interessantes nesta resposta.
Antes de tudo, o Papa ressaltou a sua profunda, antiga e óptima relação pessoal
com o Arcebispo-Mor Shevchuk. E isto é muito interessante, evidentemente.
Depois salientou também o que foi referido de positivo na entrevista do
Arcebispo-Mor. O que foi mais importante no evento foi o encontro em si mesmo e
isto o Arcebispo o entende muito bem, como todos entendemos muito bem. A grande
novidade é o fato de ter aberto uma porta para uma relação directa entre o Papa
e o Patriarca, que é naturalmente o início, a possibilidade de um caminho que
depois pode desenvolver-se, ter tantas consequências positivas. A questão do
documento e dos pontos que dizem respeito à Ucrânia no documento, é depois uma
dimensão também um pouco mais opinável, se assim o quisermos. Como o Papa
destacou, pode-se entender que pessoas muito envolvidas, com grandes
sofrimentos, tenham as suas reacções ou as suas perspectivas pessoais ou
comuns, motivo pelo qual sentem uma dificuldade em aceitar o que foi escrito
sobre a Ucrânia no documento. Ao mesmo tempo, devemos ser objectivos e ver que
no documento se fala de expectativas de paz, de responsabilidade no agir em
relação à paz. E o Papa acrescentou na sua resposta, que ele sempre insistiu
que os Acordos de Minsk devem ser levados à sério e é necessário procurar
implementá-los efectivamente. Depois eu observaria que, também na declaração
comum, existem pontos muito importantes no que se refere às Igrejas
Greco-católicas, como a claríssima afirmação do seu direito de existência, o
que não era tão implícito assim. Portanto, o facto de que as Igrejas
Greco-católicas devem ser consideradas, respeitadas plenamente na sua
existência e na sua vida, também pela parte ortodoxa e pelo Patriarcado Russo,
e isto é um ponto certamente significativo. Me parece, assim, que o Papa tenha
demonstrado a sua compreensão pelas dificuldades de aceitação por parte de quem
vive uma situação dramática, mas tenha também ajudado - como ele disse – a ver
as coisas mais no conjunto, e no conjunto a avaliação positiva a ser dada ao
encontro é absolutamente dominante, e também muito presente na própria
entrevista do Arcebispo-Mor”.
A propósito das estratégias para combater a difusão
do vírus Zika, o Papa Francisco reiterou que o aborto é um crime, um mal
absoluto. Os media falaram de uma abertura do Papa à contracepção. O que nos
poderia dizer a este respeito?
“O aspecto fundamental, me parece que tenha sido
acolhido, e é que o Papa fala da inaceitabilidade do aborto como solução.
Nestes casos, pelo contrário, infelizmente, houve tomadas de posição ou
declarações que pareciam seguir nesta direcção da facilitação do aborto, algo
que para nós é absolutamente inaceitável. O Papa distingue depois, claramente,
a radicalidade do mal do aborto como supressão de uma vida humana e a
possibilidade do recurso à contracepção ou preservativos em casos de emergência
ou situações particulares, em que, desta forma, não se suprime uma vida humana,
mas se evita uma gravidez. Ora, não é que ele diga que é aceite e usado o
recurso sem nenhum discernimento, antes pelo contrário, disse claramente que
pode ser levado em consideração em casos particulares de emergência. O exemplo
que fez de Paulo VI e da autorização ao uso da pílula para as religiosas que
corriam risco grave e contínuo de violência por parte dos rebeldes no Congo, no
tempo das tragédias da guerra do Congo, faz entender que não é que fosse uma situação
normal em que isto era levado em consideração. E também – recordamos por
exemplo – a discussão seguida a um passo do livro-entrevista de Bento XVI “Luz
do mundo”, em que ele falava a propósito do uso do preservativo em situações
com risco de contágio, por exemplo, da AIDS. Assim, o contraceptivo ou o
preservativo, em casos de particular emergência e gravidade, pode também ser
objecto de um discernimento de consciência sério. Isto diz o Papa. Enquanto
sobre o aborto não deu espaço à considerações. Depois o Papa insistiu que é
necessário buscar, naturalmente, desenvolver toda a pesquisa científica, as
vacinas, de modo a enfrentar esta epidemia e este risco do vírus Zika, que está
suscitando tantas preocupações, e porém, é necessário que não se caia no pânico
e assim, se busquem orientações ou tomadas de decisões que sejam
desproporcionais à realidade do problema. Portanto, entender bem a natureza do
problema, continuar a estudá-lo, a reagir também com a pesquisa, para encontrar
as soluções mais substanciais e mais estáveis; evitar, portanto, um recurso ao
aborto e, em caso de situações de emergência grave, então uma consciência bem
formada pode ver se existem possibilidade ou necessidades de recurso à
não-abortivos para prevenir a gravidez.
Na França, alguns associaram a resposta do Papa
sobre os bispos, responsáveis por acobertar casos de pedofilia, ao caso do
Cardeal Barbarin. É correcta esta ligação?
“Não! A meu ver não há nenhum fundamento. A
pergunta era feita por um jornalista mexicano que tinha em mente – digamos – os
acontecimentos envolvendo o Padre Maciel ou mesmo aqueles dos Estados Unidos,
que estão mais próximos ao México, e no que se refere a casos efectivos de
acobertamento, em que irresponsavelmente sacerdotes que tenham sido culpados ou
que tenham se comportado em modo absolutamente grave, casaram-se, colocando
assim em risco outras situações. Neste sentido o Papa diz: o bispo faltaria com
a responsabilidade e portanto, deveria se demitir. Mas o caso do Cardeal
Barbarin é completamente diferente: ele absolutamente não tomou iniciativas
para acobertar, mas encontrou-se diante de uma situação de muitos anos antes,
em que não houve acusações particulares, e sempre enfrentou a questão com
extrema responsabilidade. Portanto, não penso que esta resposta do Papa possa
ser ligada a este caso, que é delicado e complexo e em que o Cardeal, me
parece, esteja dando passos com muita responsabilidade”.
Respondendo a uma pergunta sobre o debate no
Parlamento italiano sobre uniões civis, Francisco disse que “o Papa não se
envolve”. No entanto, acrescentou que um parlamentar católico deve votar
segundo “uma consciência bem formada”. É significativo que muitos meios de
comunicação tenham omitido a expressão “bem formada”...
“Sim. O Papa respondeu muito brevemente, dizendo
que não queria envolver-se nas questões da política italiana. Porém acrescentou
este tema da “consciência bem formada”, dizendo que “não é a consciência do
“aquilo que eu acho”. Portanto, liberdade de consciência não quer dizer que
agora eu digo o que eu acho, assumo uma posição que me pareça mais vantajosa ou
mais fácil, ou motivada por interesses políticos ou por jogo de poder. Não!
Diz: a consciência bem formada é aquela que é orientada por considerações
profundas e objectivas dos valores de responsabilidade em relação às pessoas, à
família e à sociedade. Assim, neste caso, acredito que a “consciência bem
formada” deva estar bem consciente de qual seja o valor da família na sociedade
e que a família deve ser defendida também do ponto de vista legislativo e que
existe o valor do interesse das crianças, do interesse dos filhos e de sua
educação, que frequentemente é esquecido em favor de interesses de carácter
mais individualista. Assim, neste sentido, o Papa – sem dar indicações
operativas particulares e deixando também às Conferências Episcopais as suas
responsabilidades – ajuda a entender que existe todo um trabalho de
aprofundamento, em que também a Doutrina Social da Igreja ajuda a uma visão da
realidade humana mais aprofundada e objectiva, na qual é necessário inspirar-se
nas decisões que dizem respeito ao bem da sociedade, o bem da família, o bem
das pessoas”.
A conferência de imprensa do Papa no avião fez com
que a viagem ao México passasse para um segundo plano. O que ficou da viagem de
Francisco?
“Ficou muitíssimo, evidentemente. Para mim ficou a
ideia de um grande encontro que aconteceu. O Papa fala sempre da “cultura do
encontro” e uma viagem é o encontro entre o Papa e um grande povo. Neste caso
um povo que ama o Papa e que expressa também muito eficazmente os seus
sentimentos e o seu amor, e a quem o Papa aproximou-se com toda a riqueza da
sua humanidade e da sua capacidade de comunicar o amor de Deus através dos seus
gestos, através da sua proximidade, através do seu calor e da sua ternura. O
lema desta viagem era “Mensageiro da misericórdia e da paz” e me parece que
tenha sido realmente concretizado. Permanece também o momento culminante do
ponto de vista espiritual, que foi o encontro entre o Papa e a Virgem de
Guadalupe, depois da celebração da Missa. Naquele momento, aquele tempo de
diálogo silencioso, que exprimia a relação mais intensa entre a Virgem e o
Papa. Esta relação desenvolveu-se depois, também mostrando as suas
consequências, a sua inspiração em todos os outros momentos da viagem. Uma
viagem – podemos dizer – “guadalupana”. Certamente o Papa teve presente e
mostrou a sua consciência diante dos grandes problemas do México, que – sabemos
– o Papa tocou e que repetiu muitas vezes: as migrações, a violência, o
narcotráfico, as injustiças em relação aos indígenas.... Porém esta gravidade
dos problemas não impediu que a mensagem fundamental do Papa fosse uma mensagem
de encorajamento, de esperança e de chamada de atenção de todos à
responsabilidade. Este falar, antes de tudo aos jovens, ao povo do México como
um povo jovem: os jovens são a riqueza, a esperança e aqueles que,
comprometendo-se – segundo as suas possibilidades, e com a ajuda responsável
também de todos os outros componentes da sociedade – podem esperar também em um
futuro melhor. Portanto, me pareceu uma viagem de misericórdia, de paz, também
de grande esperança e de encontro jubiloso, profundo, suscitador de boas
energias para o povo do México. Mais do que isto não sei o que poderíamos
desejar ...”
Fonte e imagem: Rádio Vsaticano
Nenhum comentário:
Postar um comentário