O inusitado tem a forma de
uma doce e humilde garota queniana que vende pães feitos pela mãe.
Esta semana teve mais um e não resisti em compartilhá-lo com vocês. Trata-se de uma produção anglo-americana, de nome “Eye in the Sky” (Olho no céu), título transformado por algum inspirado tradutor nacional no pouco atrativo e quase óbvio “Decisão de Risco”. No elenco, nomes de peso como Helen Mirren (de “A Rainha” e outros sucessos) além de um dos meus atores favoritos, o genial Alan Rickman, falecido em janeiro deste ano. “Eye in the Sky” foi seu último trabalho. Li num site de cinema que várias cenas foram repensadas pelo diretor de forma a poupar Rickman, uma vez que ele já se encontrava bastante combalido pela doença que finalmente o levou. Mesmo assim, a força de seu talento e sua presença na história são marcantes, fazendo a produção dedicar a Alan Rickman uma frase carinhosa nos créditos finais.
Claro que não vou estragar a surpresa e contar tudo. Em linhas gerais, a trama é aparentemente banal: militares ingleses e norte-americanos, investigando a rotina de grupos terroristas no Quênia, descobrem os preparativos de um novo atentado de proporções devastadoras. Assim, decidem eliminar os guerrilheiros que estão escondidos numa casa, atacando-os com mísseis disparados por um drone. A coisa começa a ficar interessante quando vão sendo revelados os recursos disponíveis hoje em dia e a sofisticada parafernália que flutua, silenciosa, acima de nossas ingênuas cabeças. É a globalização estratégica: as preliminares do ataque incluem gente espalhada em bases no Havaí, em países vizinhos do Quênia, nos EUA, na Inglaterra e autoridades engravatadas desde a Europa até à China. Todos se comunicam via teleconferência, com tecnologia digital inacreditável, diante de telas que exibem em tempo real o desenrolar da missão. Entre os aparatos, destaque para um besouro-câmera minúsculo, comandado remotamente por um dos espiões. É fantástico.
Tudo parece encaminhado para o sucesso com a provável eliminação dos terroristas. Os militares estão prontos para agir, comandando a coisa friamente de seus gabinetes e dispondo das armas mais modernas do mundo. Porém, o inesperado acontece quando o roteirista Guy Hibbert introduz o fator humano e, com este, os sentimentos até então desconsiderados daqueles homens e mulheres fardados. O inusitado tem a forma de uma doce e humilde garota queniana que vende pães feitos pela mãe nas ruas miseráveis da periferia de Nairóbi. Imaginem: na hora agá, a menina instala seu balcãozinho ambulante bem junto à casa dos terroristas, na mira exata do míssil – e complica tudo.
Nesse ponto do filme começa o duelo angustiante entre o pragmatismo dos oficiais, buscando o êxito da missão, e as emoções daqueles - também militares - com os dedos nos gatilhos. O prazo é curto; os terroristas estão quase saindo da casa; a oportunidade é rara e não há tempo para indecisões. Quanto vale a vida de uma criança inocente na área que será pulverizada pelo míssil? Quem será o responsável aos olhos do mundo pelos lamentáveis “efeitos colaterais” do ataque? Sucedem, então, sufocantes e tensos conflitos via satélite, dúvidas de cunho humanístico pontilhadas por suores, lágrimas, unhas roídas e nós nas gargantas.
De acordo com o diretor do filme, Gavin Hood, cerca de 30% dos operadores militares de drones precisam ser tratados de estresse pós traumático. Uma coisa é você estar no meio da guerra, ouvindo explosões, com a vida em risco e a adrenalina a mil. Outra é pilotar um aparelho desde uma sala com ar condicionado situada a milhares de quilômetros do objetivo, contemplando o estrago que suas mãos acabaram de causar - com direito a closes de cadáveres despedaçados. Estranho e enlouquecedor – dizem os pacientes.
“Decisão de Risco” é um retrato dramático de um tempo marcado por terrores de origens variadas e novos dilemas que nos fazem repensar os limites da ética e da condição humana. Não percam, de jeito nenhum.
Fernando Fabbrini
Fonte: Dom Total
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