Todos os dias o percurso era o mesmo. Taru deixava
o mar e seus mistérios e, na calada da noite, deslizava lentamente pela areia
batida da praia, até ao amanhecer, quando a maré alta a envolvia no carinho de
suas ondas mornas, e como se carrega uma criança nos braços, a deitava cheia de
ternura no doce leito do mar.
Taru era imponente. Nos seus cento e cinqüenta
quilos, cheia de força e vigor, desafiava constantemente as intempéries do mar
e os dissabores do tempo, além de se arvorar contra os muitos predadores que
porventura dela se aproximassem.
As marcas de suas patas, como impressões digitais
verdadeiras, deixavam-se fixar na areia, à semelhança de um grande outdoor
horizontal que estampasse este aviso: Taru passou por aqui! Era vaidosa. Nunca
fora vencida nem se deixara vencer. À medida que cada vitória sucedia, a sua
medida de vaidade multiplicava-se, deixando-a cada vez mais presunçosa e cheia
de orgulho. A auto-suficiência impedia-lhe de ver o mundo ao seu redor.
Meneando a cabeça, ora para cima, contemplando o céu bordado de estrelas; ora
para baixo, vislumbrando os bilhões de grãos de areia que compunham aquela
paisagem serena; ora retraindo a cabeça para dentro de si, num gesto puramente
instintivo de defesa contra as rajadas de vento que a incomodavam sobremaneira,
Taru sentia-se absoluta.
A noite fora
tranqüila. Mal os primeiros raios da manhã saudavam o novo dia, ela esperava
ansiosa a chegada da maré cheia. As ondas espraiavam-se cada vez mais perto.
Ofegante, exausta, arrastando-se lentamente, mas feliz por não ter sido vencida
mais uma vez, não percebe uma onda gigante que, tomando-a de surpresa, lança-a
há alguns metros de distância, onde cai desacordada e só.
O sol já ia alto quando Taru se deu conta de que
estava de patas para o ar. Tentou desvirar-se uma, duas, três... inumeráveis
vezes. Nada. O dia findara, outra noite chegara, e ela ali, sozinha, vendo o
céu de cabeça para baixo e o mar longínquo que não reparava na sua dor.
A areia quente, de uma temperatura insuportável,
levava-a a exaustão.
Ao final do terceiro dia, quando as primeiras
estrelas saudavam a noite que nascia mansamente, e já sem esperança alguma,
Taru ouve passos que vêm em sua direção. É inacreditável! Agita-se. Se pudesse
gritar... O pescador se aproxima, pára, fixa seu olhar, move a cabeça para a
direita e para a esquerda, como quem diz: “Pobrezinha!...” E reunindo suas
forças, socorre e salva Taru.
Já deslizando nas águas do mar e gozando das
delícias do seu habitat natural, Taru pôde refletir e compreender: “Ninguém se
basta a si mesmo. Nem eu”.
Antonio Luiz Macêdo
Imagem Google
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