Aconteceu hoje mesmo, e me fez pensar como, às
vezes, o curso da vida muda por dizer a verdade ou calar. Estou arrasada!
Estava na praia quando vi aproximar-se um
rapaz. Cambaleava como se estivesse bêbado. Trazia, sob o braço, uma prancha de
surfe e na outra mão um cigarro. O short quase caindo. Pareceu-me que
reconhecia aquele rosto. Chegou até onde eu estava, soltou a prancha na areia e
disse olhando-me profundamente:
- Carmen! - Seus olhos encheram-se de
lágrimas. - Está feita uma mulher!...
Então o reconheci. Era Sérgio. Namoramos
quando eu tinha 13 anos e ele 14. Sim, foi meu primeiro amor. Queria dizer-lhe
que se tinha convertido num homem, mas não tive coragem de dizer-lhe o que
sentia.
Convidou-me a nadar, depois jogar tênis. Eu
não sou uma boa esportista, mas tive que fingir uma derrota antes de que ele se
desmoronasse. Ele não teria suportado que eu o vencesse. Ele sempre foi o
primeiro em tudo. Agora estava fraco, completamente esgotado.
Sentamo-nos á beira do mar, como quando éramos
adolescentes, e começamos a falar de nossas vidas. Sabia tudo de mim: o que eu
tinha feito nesses anos, meus amigos... Eu não sabia nada dele. Tinha-o visto
alguma vez e mais nada.
Novamente começou a chorar e falou-me:
- Você tem a culpa. Olhe-me, não sou nada, sou
uma sombra de mim mesmo, um toxicômano. Mas não quero curar-me, entende? Quando
você entrou na minha vida, você não sabia nada de mim. Aos 14 anos já fizera
sexo muitas vezes, fumava, bebia, drogava-me, roubava dinheiro de meus pais...
e já tinha sido preso. Ao mudar para a sua rua, você e os outros eram
diferentes. Tinham quase a minha idade e passavam o dia jogando bola ou na
praia... Eu estava além disso. Comecei a impor minhas idéias aos outros, começou
o jogo dos casalzinhos, das festas, só que era tudo mais limpo. Gostava de você
e senti amor por você, mas você era demasiado pura para aproveitar-me de você.
Você começou a gostar de mim e começamos a namorar. Só que havia uma nuvem
entre mim e você: eu não estava sendo sincero com você.
Continuou falando e chorando. Recordei uma
cena: ele empurrava seu irmão brutalmente contra a parede até fazê-lo sangrar.
Agora sei o motivo: seu irmão sabia de tudo, por isso não queria que ficasse
conosco. Lembro também o dia em que me bateu: perguntara-lhe o que lhe
acontecia. Foi o fim. Eu, chorando, disse-lhe que nunca meu pai me tinha
tocado. "Você me bateu uma vez, mas não lhe darei a chance de que o faça
outra vez!". Depois saí correndo. Durante uma semana foi à minha casa
querendo ver-me e pedir-me perdão, mas eu não quis vê-lo.
Parou de falar e eu lhe disse:
- Se você me tivesse dito a verdade, poderia
te ajudar.
- Não.
- E agora? - pergunto de novo.
- Não! - respondeu bruscamente.
- Vamos tomar um lanche na minha casa. Meus
pais ficarão contentes de ver você - falei com sinceridade.
- Não - respondeu tristemente. - Só peço um
favor... Deixe-me beijá-la, como antes, aqui, junto ao mar.
Beijou-me na face, como antes. Pegou sua
prancha e continuou seu caminho cambaleando...
Agora olho para o céu e penso: "Será
verdade que às vezes olhamos mais as nuvens que o azul infinito que há atrás
delas?"... Olho para o mar e pergunto: "Teria mudado alguma coisa se
tivesse sabido a verdade?" Uma onda pequena aproxima-se e molha meus pés
sentindo uma sensação agradável...
Deus, só você sabe a
verdade.
A vida deve continuar.
Não devo voltar atrás.
A vida é a areia que fica?
A vida são as ondas que vão e vêm?...
A vida deve continuar.
Não devo voltar atrás.
A vida é a areia que fica?
A vida são as ondas que vão e vêm?...
(Depoimento em "DOCUMENTOS VIVOS")
Leia as obras de Antonio Luiz Macêdo:
Conta-gotas Do Dia a Dia (no final da
página)
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