“Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3, 15).
Se foi por meio de uma mulher (Eva) que a serpente infernal conseguiu fazer penetrar seu veneno mortal na humanidade, também seria por meio de outra mulher (Maria, a nova Eva) que Deus traria o remédio da salvação.
“Na plenitude dos tempos”, diz o Apóstolo, “Deus enviou Seu Filho ao mundo nascido de uma mulher” (Gl 4,4). No ponto central da história da salvação se dá um acontecimento ímpar em que entra em cena a figura de uma Mulher. O mesmo Apóstolo nos lembra: “Não foi Adão o seduzido, mas a mulher” (1Tm 2,14); portanto, devia ser também por meio da mulher que a salvação chegasse à terra.
Para isso foi preciso que Deus preparasse uma nova Mulher, uma nova Virgem, uma nova Eva, que fosse isenta do pecado original, que pudesse trazer em seu seio virginal o autor da salvação; que pudesse “enganar” a serpente maligna, da mesma forma que esta enganara Eva.
O pecado original, por ser dos primeiros pais, passa por herança, por hereditariedade, a todos os filhos, e os faz escravos do pecado, do demônio e da morte.
O Catecismo da Igreja Católica nos ensina: “O gênero humano inteiro é em Adão como um só corpo de um só homem. Em virtude desta “unidade do gênero humano” todos os homens estão implicados no pecado de Adão” (n. 404).
A partir do pecado de Adão, toda criatura entraria no mundo manchada pelo pecado original. O que fez então Jesus para poder ter Sua Mãe bela, santa e imaculada? Ele quebrou a tábua da lei do pecado original e jurou que, no lenho da Cruz, com Seu Sangue e Sua Morte conquistaria a Imaculada Conceição de Sua Virgem Mãe.
São Leão Magno, Papa do século V e doutor da Igreja, afirma: “O antigo inimigo, em seu orgulho, reivindicava com certa razão seu direito à tirania sobre os homens e oprimia com poder não usurpado aqueles que havia seduzido, fazendo-os passar voluntariamente da obediência aos mandamentos de Deus para a submissão à sua vontade. Era portanto justo que só perdesse seu domínio original sobre a humanidade sendo vencido no próprio terreno onde vencera” 4.
Como nenhum ser humano era livre do pecado e de Satanás foi então preciso que Deus preparasse uma mulher livre, para que Seu Filho fosse também isento da culpa original, e pudesse libertar Seus irmãos.
Assim, o Senhor antecipou para Maria, a escolhida entre todas, a graça da Redenção que seu Filho conquistaria com Sua Paixão e Morte. A Imaculada Conceição de Nossa Senhora foi o primeiro fruto que Jesus conquistou com Sua morte. E Maria foi concebida no seio de sua mãe, Santa Ana, sem o pecado original.
Como disse o cardeal Suenens: “A santidade do Filho é causa da santificação antecipada da Mãe, como o sol ilumina o céu antes de ele mesmo aparecer no horizonte” 5.
O cardeal Bérulle explica assim: “Para tomar a terra digna de trazer e receber seu Deus, o Senhor fez nascer na terra uma pessoa rara e eminente que não tomou parte alguma no pecado do mundo e está dotada de todos os ornamentos e privilégios que o mundo jamais viu e jamais verá, nem na terra e nem no céu” (Tm, p. 307).
O Anjo Gabriel lhe disse na Anunciação: “Ave, cheia de graça…” (Lc 1,28). Nesse “cheia de graça”, a Igreja entendeu todo o mistério e dogma da Conceição Imaculada de Maria. Se ela é “cheia de graça”, mesmo antes de Jesus ter vindo ao mundo, é porque é desde sempre toda pura, bela, sem mancha alguma; isto é, Imaculada. E assim Deus preparou a Mãe adequada para Seu Filho, concebido pelo Espírito Santo diretamente (Lc 1,35), sem a participação de um homem, o qual transmitiria ao Filho o pecado de origem. Além disso, não haveria na terra sêmen humano capaz de gerar o Filho de Deus.
Desde os primeiros séculos o Espírito Santo mostrou à Igreja essa verdade de fé. Já nos séculos VII e VIII apareceram alguns hinos e celebrações em vários conventos do Oriente em louvor à Imaculada Conceição.
Em 8 de dezembro de 1854 o Papa Pio IX declarava dogma de fé a doutrina que ensinava ter sido a Mãe de Deus concebida sem mancha por um especial privilégio divino.
Na Bula “Ineffabilis Deus”, o Papa diz: “Nós declaramos, decretamos e definimos que a doutrina segundo a qual, por uma graça e um especial privilégio de Deus Todo Poderoso e em virtude dos méritos de Jesus Cristo, salvador do gênero humano, a bem-aventurada Virgem Maria foi preservada de toda a mancha do pecado original no primeiro instante de sua conceição, foi revelada por Deus e deve, por conseguinte, ser crida firmemente e constantemente por todos os fiéis” (Tm, p. 305).
É de notar que em 1476 a festa da Imaculada foi incluída no Calendário Romano. Em 1570, o papa Pio V publicou o novo Ofício e, em 1708, o papa Clemente XI estendeu a festa a toda a Cristandade tornando-a obrigatória.
Neste seio virginal, diz S. Luiz, Deus preparou o “paraíso do novo Adão” (Tvd, n. 18).
Santo Afonso de Ligório, doutor da Igreja e ardoroso defensor de Maria, falecido em 1787, disse: “Maria tinha de ser medianeira de paz entre Deus e os homens. Logo, absolutamente não podia aparecer como pecadora e inimiga de Deus, mas só como Sua amiga, toda imaculada” (Gm, p. 209). E ainda: “Maria devia ser mulher forte, posta no mundo para vencer a Lúcifer, e portanto devia permanecer sempre livre de toda mácula e de toda a sujeição ao inimigo” (GM, p. 209).
S. Bernardino de Sena, falecido em 1444, diz a Maria: “Antes de toda criatura fostes, ó Senhora, destinada na mente de Deus para Mãe do Homem Deus. Se não por outro motivo, ao menos pela honra de seu Filho, que é Deus, era necessário que o Pai Eterno a criasse pura de toda mancha” (GM, p. 210).
Diz o livro dos Provérbios: “A glória dos filhos são seus pais” (Pr 17,6); logo, é certo que Deus quis glorificar Seu Filho humanado também pelo nascimento de uma Mãe toda pura.
S. Tomas de Vilanova, falecido em 1555, chamado de São Bernardo espanhol, disse em sua teologia sobre Nossa Senhora: “Nenhuma graça foi concedida aos santos sem que Maria a possuísse desde o começo em sua plenitude” (Gm, p. 211).
S. João Damasceno, doutor da Igreja falecido em 749, afirma: “Há, porém, entre a Mãe de Deus e os servos de Deus uma infinita distância” (Gm, p. 211).
E pergunta S. Anselmo, bispo e doutor da Igreja falecido em 1109, e grande defensor da Imaculada Conceição: “Deus, que pode conceder a Eva a graça de vir ao mundo imaculada, não teria podido concedê-la também a Maria?”
“A Virgem, a quem Deus resolveu dar Seu Filho Único, tinha de brilhar numa pureza que ofuscasse a de todos os anjos e de todos os homens e fosse a maior imaginável abaixo de Deus” (GM, p. 212).
É importante notar que S. Afonso de Ligório afirma: “O espírito mau buscou, sem dúvida, infeccionar a alma puríssima da Virgem, como infeccionado já havia com seu veneno a todo o gênero humano. Mas louvado seja Deus! O Senhor a previniu com tanta graça, que ficou livre de toda mancha do pecado. E dessa maneira pode a Senhora abater e confundir a soberba do inimigo” (GM p. 210).
Nenhum de nós pode escolher sua Mãe; Jesus o pode. Então pergunta S. Afonso: “Qual seria aquele que, podendo ter por Mãe uma rainha, a quisesse uma escrava? Por conseguinte, deve-se ter por certo que a escolheu tal qual convinha a um Deus” (GM, p. 213).
A carne de Jesus é a mesma carne de Maria e Seu sangue é o mesmo de Maria; logo, a honra do Filho de Deus exige uma Mãe Imaculada.
Quando Deus eleva alguém a uma alta dignidade, também o torna apto para exercê-la, ensina S. Tomás de Aquino. Portanto tendo eleito Maria para Sua Mãe, por Sua graça e tornou digna de ser livre de todo o pecado, mesmo venial, ensinava S. Tomás; caso contrário, a ignomínia da Mãe passaria para o Filho (GM, p. 215).
Nesta mesma linha afirmava S. Agostinho de Hipona, Bispo e doutor da Igreja falecido em 430, já no século V:
“Nem se deve tocar na palavra “pecado” em se tratando de Maria; e isso por respeito Àquele de quem mereceu ser a Mãe, que a preservou de todo pecado por sua graça” (GM, p. 215).
Maria é aquilo que disse o salmista: “O Altíssimo santificou seu tabernáculo; Deus está no meio dele” (Sl 45,5); ou ainda: “A santidade convém à Vossa casa, Senhor” (Sl 42,6).
Pergunta S. Cirilo de Alexandria (370-444), bispo e doutor da Igreja: “Que arquiteto, erguendo uma casa de moradia, consentiria que seu inimigo a possuísse inteiramente e habitasse?” (GM, p. 216). Assim Deus jamais permitiu que seu inimigo tocasse naquela em que Ele seria gerado homem.
S. Bernardino de Sena ensina que Jesus veio para salvar a todos, inclusive Maria. Contudo, há dois modos de remir: levantando o decaído ou preservando-o da queda. Este último modo Deus aplicou a Maria.
Se é pelo fruto que se conhece a árvore (Mt 7,16-20), então, como o Cordeiro foi sempre imaculado, sempre pura também foi Sua Mãe, é a conclusão dos santos.
Afirma S. Afonso: “Se conveio ao Pai preservar Maria do pecado, porque Lhe era Filha, e ao Filho porque Lhe era Mãe, está visto que o mesmo se há de dizer do Espírito Santo, de quem era a Virgem Esposa” (GM, p. 218).
“‘O Espírito Santo descerá sobre ti’ (Lc 1,35). Ela é portanto o templo do Senhor, o sacrário do Espírito Santo, porque por virtude dele se tornou Mãe do Verbo Encarnado”, afirmou S. Tomás (GM, p. 218).
Podendo o Espírito Santo criar Sua Esposa toda bela e pura, é claro que assim o fez. É dela que fala: “És toda formosa minha amiga, em ti não há mancha original” (Ct 4,7). Chama ainda Sua Esposa de “jardim fechado e fonte selada” (Ct 4,12), onde jamais os inimigos entraram para ofendê-la.
“Estão comigo um sem número de virgens, mas uma só é a minha pomba, minha imaculada” (Ct 6,8-9).
“Ave, cheia de graça!” Aos outros santos a graça é dada em parte, contudo a Maria foi dada em sua plenitude. Assim “a graça santificou não só a alma mas também a carne de Maria, a fim de que com ela revestisse depois o Verbo Eterno”, afirma S. Tomás (GM, p. 220).
É interessante notar que 104 anos antes de o Papa Pio IX proclamar o dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria, Santo Afonso já escrevera seu famoso livro As glórias de Maria, em 1750, no qual defendia com excelência o dogma, firmado no unânime testemunho dos Santos Padres.
O dogma da Imaculada Conceição de Maria é um marco fundamental da fé porque, entre outras coisas, define claramente a realidade do pecado original, às vezes contestado por alguns teólogos modernos, em discordância com o Magistério da Igreja.
Foi o mesmo Papa Pio IX que, juntamente com o Concilio Vaticano I, realizado em 1870, proclamou o dogma da infalibilidade papal, questionado por muitos na época.
Enquanto os padres conciliares discutiam a conveniência da definição, levantaram-se em todo o mundo, principalmente na Alemanha e França, muitas críticas contrárias. Os jornais e as revistas enchiam suas páginas com os mais grosseiros ataques contra o Papa e os Bispos.
Muito preocupado, o Cardeal Antonielli, Secretário de Estado reuniu um grupo de Cardeais e foi com eles à presença do Papa Pio IX, suplicando-lhe que adiasse a definição dogmática da infalibilidade papal para o bem da Igreja.
Pio IX ouviu com calma a exposição do cardeal, e em tom decidido, iluminado pelo Espírito Santo e guiado por Maria, respondeu: “Comigo está a Imaculada. Eu vou adiante”.
E o Concilio Vaticano I definiu o dogma da infalibilidade papal.
Que bela expressão que cada um de nós pode repetir nas horas da luta: “Comigo está a Imaculada…”
O Catecismo da Igreja Católica afirma com toda a certeza: “Na descendência de Eva, Deus escolheu a Virgem Maria para ser a Mãe de Seu Filho. ‘Cheia de graça’, ela é o fruto mais excelente da Redenção desde o primeiro instante de sua concepção; foi totalmente preservada da mancha do pecado original e permaneceu pura de todo pecado pessoal ao longo de sua vida” (n. 508).
Além de todas as razões acima apresentadas que nos dão a certeza da Imaculada Conceição, a própria Virgem Maria, em pessoa, quis confirmar este dogma. Foi quando em 25 de março de 1858, na festa da Anunciação, revelou seu Nome a Santa Bernadette, mas aparições de Lourdes. Disse-lhe ela: “Eu sou a Imaculada Conceição”.
A partir daí, o padre Peyramale, que era o Cura de Lourdes, passou a acreditar nas aparições de Maria à pobre Bernadette, e com ele toda a Igreja .
Em 27 de novembro de 1830, Nossa Senhora apareceu a S. Catarina Labouré, na Capela das filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, em Paris, e lhe pediu para mandar cunhar e propagar a devoção à chamada “Medalha Milagrosa”, precisamente com esta inscrição: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós”.
Quantas graças essa devoção tem espalhado pelo mundo!
Maria, por sua Imaculada Conceição, foi o marco inicial de nossa salvação, e será sempre aquela que nos levará à fonte da mesma salvação, Jesus Cristo, o esplendor da Verdade.
Hoje, mais do que antes, é preciso fazer-lhe muitas vezes aquela famosa oração que os cristãos do Egito já lhe dirigiam no século III: “Debaixo de vossa proteção nos refugiamos, ó Santa Mãe de Deus. Não desprezeis nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita. Maria, Imaculada, rogai por nós”.
Escutemos o que nos diz São Bernardo (1090-1153), abade e doutor da Igreja, o poeta apaixonado de Maria, em seu famoso “Sermão sobre o Missus est”: “Ó tu, quem quer que sejas, que nas correntezas deste mundo te apercebas: antes ser arrastado entre procelas e tempestades do que andando sobre a terra, desviares os olhos desta Estrela, se não queres afogar-te nessas águas.
Se levantam os ventos das tentações, se cais nos escolhos dos grandes sofrimentos, olha a Estrela, invoca Maria.
Se as iras, ou avareza, ou os prazeres carnais se abaterem sobre tua barca, olha para Maria.
Se, perturbado pelas barbaridades de teus crimes, se amedrontado pelo horror do julgamento, começas a ser sorvido em abismos de tristeza e desespero, pensa em Maria.
Nos perigos, nas angústias, nas dúvidas, pensa em Maria, invoca Maria. Que ela não se afaste de teus lábios, não se afaste de teu coração.
E, para que possas pedir o auxílio de sua oração, não esqueças o exemplo de sua vida. Seguindo-a, não te desviarás; suplicando-lhe, não desesperarás; pensando nela, não errarás. Se ela te segurar, não cairás; se te proteger, não terás medo; se ela te conduzir, não te fatigarás; se estiver do teu lado, chegarás ao fim. E assim experimentarás em ti mesmo quanto é verdade aquilo que foi dito: ‘E o nome da Virgem era Maria” .
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